Ping-pong da foca: conheça os bastidores do curta ‘Bailão’ de Marcelo Caetano

Com um tom de documentário reflexivo, o curta ‘Bailão’ estreou em 2009 no Festival de Brasília. Mais de 10 anos depois, o filme continua impactante e memorável, em razão de todos os seus aspectos de produção e conteúdo. Em uma conversa com a Foca (Ana Raquel Lelles), Marcelo Caetano contou detalhes da produção que marcou a sua carreira e de todos os espectadores. 

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Foca: Como surgiu a ideia de produzir o Bailão? O formato de “curta” foi definido na pós-produção ou no processo de criação do filme? 

MC: O Bailão foi um dos meus primeiros curtas-metragens. A ideia surgiu em 2006 quando comecei a fazer uma pesquisa etnográfica no ABC Bailão, bar gay da terceira idade no Centro de São Paulo. Na época, estudava Ciências Sociais na USP e existia um interesse de fazer alguma produção acadêmica relativa ao espaço. Mas em pouco tempo, esse projeto acadêmico virou um roteiro de filme e em 2008 eu ganhei um edital do Ministério da Cultura para realizar o curta. Inicialmente, a ideia era fazer um filme observacional, um documentário etnográfico do próprio baile. Mas a força dos depoimentos dos personagens me fez construir uma narrativa mais ensaística, articulando imagens do baile com imagens dos espaços da cidade vividos por esses personagens. Em 2009 filmamos o curta, que foi lançado no festival de Brasília do mesmo ano. 

Foca: Como se deu as escolhas dos planos e o tom do filme? Como foi o processo de edição e pós-produção do filme para manter o sentimento do curta? MC: O filme opta por um tom ensaístico, em que pesa a reflexão sobre o tempo redescoberto pela memória. A partir dos depoimentos dos personagens foi costurada uma colcha de retalhos que tenta captar o espírito de diferentes épocas. Tudo de forma muito direta e sintética, afinal são 50 anos de história em 16 minutos. É como se fosse uma dança, ouvindo as histórias de seu companheiro de baile ao pé do ouvido. 

Foca: O que você acha do formato ‘curta’? Você acha importante ter plataformas como a Cardume para aumentar o acesso a curtas e produções independentes? MC: Sim, o cinema é a arte da síntese. E o curta é uma forma excelente de experimentar as possibilidades que o cinema traz. Plataformas como a Cardume reúnem diversas formas de se contar histórias, de registrar o mundo e seus movimentos. 

Foca: Você considera o Bailão um documentário da vivência LGBTIQIA+ no anos 50, 60, 70, 80 e 90 no Brasil? 

MC: O Bailão fala das redes de sociabilidade gays masculinas durante a segunda metade do século XX, um período de grandes transformações comportamentais. Dos anos 50 até o final dos anos 90, a homossexulidade passaria de um silêncio absoluto para uma das identidades mais combativas, através das paradas gays e da organização do movimento lgbt. O baile seria esse espaço, esse porto seguro, onde esses “combatentes” anônimos se encontrariam para festejar sua própria sobrevivência e luta.

Foca: Além do sucesso da crítica, que rendeu vários prêmios ao curta (merecidos!!!), Bailão também é bastante elogiado pelo público que assistiu. Teve algum comentário sobre o curta que te marcou? Ou alguma declaração do elenco ou de algum espectador? 

MC: Quando o curta foi lançado, em 2009, não existiam tantas produções lgbts circulando em festivais gerais. O filme era muito bem recebido, mas também causava algum estranhamento. Lembro especialmente de uma exibição na praça de Tiradentes. Um casal de pais ao ver do que o filme se tratava tentou tirar os filhos de cerca de dez anos da praça. Os meninos ao serem arrastados pelos pais, começaram a dançar abraçados como os personagens da tela, arrancando risadas da plateia. Eu acho que é um filme muito doce sobre um período muito duro na vida dos personagens. E o filme consegue comunicar a dor e a ternura. 

Foca: Como o Bailão mudou a sua carreira como diretor? 

MC: Eu acho que o filme abriu portas importantes. Foi circulando com o Bailão por festivais que conheci boa parte dos realizadores com quem trabalhei nos últimos anos. O fato de eu não ter conseguido fazer um documentário etnográfico strictu sensu e ter partido para uma narrativa ensaística, quase ficcional, me incentivou a ir para a ficção que foi o caminho que segui nos trabalhos seguintes. 

Foca: 12 anos após o lançamento do curta, você ainda tem contato com os protagonistas? 

MC: Nos anos que precederam as filmagens, mantive sim contato com os personagens. Alguns, infelizmente, faleceram e outros mantemos contato apenas pelas redes sociais. 

Foca: Quais são seus próximos projetos? 

MC: Em 2022 vou dirigir a série Noticias Populares para o Canal Brasil e meu segundo longa chamado Baby.

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